Ee blog terá, pelo menos duas vezes por semana, as minhas opiniões e comentários sobre desporto – sobretudo automobilismo – e sobre a vida nacional (portuguesa e brasileira) e internacional, com a experiência de 52 anos de jornalismo, 36 anos de promotor e 10 de piloto. Além de textos de convidados, e comentários de leitores.

domingo, 12 de janeiro de 2014


O ACIDENTE DE MICHAEL SCHUMACHER:

A DEPENDÊNCIA DOS ORGÃOS DE COMUNICAÇÃO.

Ao ler este post do meu amigo de longa data, o ex-piloto brasileiro, jornalista de rádio e já há alguns anos promotor de eventos de desportos motorizados, JAN BALDER, não posso deixar de o reproduzir, tal é a sensatez e propriedade com que ele escreve sobre este tema que é transversal a muitos momentos jornalísticos em todo o mundo.

Trata-se, no fundo, daquilo que eu escrevi há dias – a avidez, a pressa, de dar – a todo o custo, sobretudo, esquecendo a verdade e a pesquisa jornalística – qualquer notícia, algo primeiro que os outros. A confusão que muitos jornalistas e, sobretudo, muitos editores, fazem sobre o que é mais valioso – o “furo”, a “caxa”, ou a veracidade completa da notícia, do comentário.

Tudo isto se ensina no mais básico dos princípios do jornalismo. Tudo isto está no maravilhoso artigo de Francisco Pinto Balsemão – fundador do Expresso – na revista da semana passada e que é, penso eu, uma grande aula de jornalismo e de posicionamento do pepel dos Orgãos de Comunicação Social e dos seus profissionais tanto na sociedade quanto no relacionamento que os governos devem ter com eles.

Aqui fica, portanto, o texto de Jan Balder na íntegra:

 

A fragilidade da imprensa
O ex-piloto de Fórmula 1 Michael Schumacher não é o herói que a imprensa pintou na última semana. Ele se encontra hospitalizado em estado grave, após sofrer um acidente na estância de esqui de Méribel, nos Alpes Franceses, porque resolveu sair da pista regular e descer por uma área não delimitada, acabando por cair e bater a cabeça em uma pedra.
Nos últimos dias, os jornais e os noticiários do rádio e da televisão repetiram seguidamente que o ex-campeão de automobilismo se acidentou ao tentar socorrer a filha de um amigo, que teria sofrido uma queda. Na quinta-feira (9/1), os jornais brasileiros reproduzem informações de autoridades francesas que investigam o acidente e contam outra versão, com base nas imagens gravadas por uma câmera acoplada ao capacete de Schumaker: ele saiu da pista oficial porque quis, e não há registro de nenhuma outra pessoa na área onde se acidentou.
A história mentirosa foi passada aos jornalistas pela assessora de imprensa do ex-piloto, Sabine Kehm, e comprada pelo valor de face por agências internacionais de informações, emissoras de televisão, jornais e revistas de todo o mundo.
O episódio coloca duas questões interessantes para a análise da mídia. A primeira é a preocupante ascendência de assessores de comunicação sobre a imprensa. A segunda é ainda mais instigante e se refere ao processo avassalador de espetacularização das notícias: no universo hipermediado, a disputa por imagens e dados cada vez mais chocantes produz um contexto no qual a verdade perde espaço para as versões mais eletrizantes.
Nesse caso, qual seria o valor real da informação mediada pela imprensa?
Com a redução do tempo para processamento das informações, somada à necessidade de decidir rapidamente sobre o que é e o que não é notícia, a mídia se coloca num campo tão inseguro quanto o local escolhido por Schumacher para deslizar em cima de um par de pranchas.
Na disputa pela primazia de “furar” a concorrência, os editores optam por divulgar como verdadeiro tudo de interessante que lhes chega às mãos. No caso da história supostamente inventada pela assessoria do ex-piloto de corrida, não havia muito como checar a veracidade da informação, uma vez que Schumacher segue em estado de coma e os repórteres postados em frente ao hospital têm que ser criativos para cumprir suas cotas de relatos diariamente.
Imprensa manipulada
Segundo reportagem distribuída pela Associated Press (ver aqui, em inglês), especialistas afirmam que muitos atletas profissionais e amadores, com câmeras acopladas em seus equipamentos, tendem a priorizar as imagens de seu próprio desempenho, em detrimento da segurança.
Michael Schumacher não é um herói da compaixão e da solidariedade: é um esportista extremamente egoísta e competitivo, viciado em adrenalina, que depois de se aposentar no automobilismo seguiu arriscando a vida em esportes radicais. A câmera em seu capacete foi provavelmente uma das causas de seu acidente.
Não há como ignorar que o episódio revela mais uma vez a fragilidade do sistema da imprensa. Se é possível enganar praticamente toda a mídia do mundo com uma história que seria desmentida com a revelação das imagens gravadas pelo próprio Schumacher, o que não devem estar fazendo as poderosas agências de relações públicas, muitas das quais são associadas a grupos de publicidade, para moldar na opinião do público a reputação de empresas, celebridades, investidores, políticos e bancos?
Aqui no Brasil, onde as redações encolhem e diminui progressivamente a capacidade do sistema da mídia de captar e processar notícias, a maioria dos veículos depende cada vez mais das pautas criadas por assessores de comunicação. No caso do noticiário político, por exemplo, não há como acreditar em critérios objetivos da imprensa ao processar os produtos dos marqueteiros, uma vez que as disputas eleitorais invadiram o cotidiano do jornalismo e se transformaram em pauta permanente. A mesma coisa se pode afirmar do noticiário econômico, claramente atrelado aos interesses político-partidários e condicionado pelos dogmas do mercado.
A imprensa é refém de suas fontes, em parte porque não tem mais capacidade, com seu sistema vertical e linear de processamento, de captar e dar um significado à complexidade da vida contemporânea; em parte, porque também aderiu ao espetáculo mediático, no qual o jornalismo se mistura a todo tipo de interesse particular ou setorial.
O jornalismo tradicional está descendo a ladeira, com uma câmera no capacete.

1 comentário:

  1. Olá!
    Aproveito para fazer mais um comentário, parece que me vou tornando um cliente habitual. Contudo, desta feita, não concordo com algumas afirmações do artigo de Jan Balder. Achando eu que o debate é saudável, faço aqui um comentário ao artigo.

    Ora bem, vamos por partes e em primeiro, abordando aquilo em que estou de acordo: sendo eu jornalista e tendo eu trabalhado uma grande parte da minha vida ligado ao online tenho conhecimento do que é o chamado jornalismo imediato e, sobretudo, dos perigos desse mesmo jornalismo. Sempre pautei o meu trabalho por dois vetores: 1) cautela e; 2) confirmação. Quando recebia qualquer informação, recebia-a com o número 1, não conseguindo a número 2, simplesmente não avançava com a publicação de um artigo online. Simples.

    O problema é que hoje em dia, as empresas de média preocupam-se muito com o lado financeiro, motivo pelo qual as redações vão sendo depauperadas - em pessoas, em conhecimento e valor pessoal. A crença comum dos decisores é que cinco pessoas podem fazer o trabalho de oito, nove ou 15. Se sair com erros, paciência. Este é o principal problema e TODAS as empresas de média o fazem. O que é, verdadeiramente, uma pena. Depois, há a questão dos pageviews: a validade de um site não se faz - infelizmente - pela qualidade do que lá está escrito, mas sim pelo número de pageviews que consegue angariar. Esse é outro problema.

    Agora, mais concretamente em relação ao artigo do Jan Balder, não consigo perceber algumas afirmações. "Schumacher não é o herói que a imprensa tem pintado"... ok, o que é um herói? Em termos desportivos, foi o piloto que mais ganhou na Fórmula 1. Em número de títulos, vitórias, pole positions, etc. Se foi sempre da melhor forma? Nem por isso. Mas não é por isso que deixa de ser um atleta de relevo e sim, um herói para muitos adeptos.

    Posto isto, o que o inquérito da polícia francesa diz - e isto é preciso ler com a devida distância de quem não tem todos os factos À disposição, porque quem está de fora não os tem, correto? - é que não existem nos dois minutos de imagens que estão disponíveis na câmera imagens (passe a redundância) de que Schumacher teria saído do trilho para ajudar a filha de alguém. O facto de não existirem imagens, não pressupõe que isso não seja verdade. Pode, simplesmente, não estar gravado. Isto foi dito na conferência da Procuradoria de Albertville. O que se sabe, até ao momento é que Schumacher esquiava entre duas pistas - azul e vermelha - a baixa velocidade, sendo um esquiador talentoso. Chamar história mentirosa a algo que ainda está a ser alvo de inquérito é... pouco adequado, parece-me.

    Mais perplexo fico quando leio a seguinte frase: "Schumacher não é um herói da compaixão e da solidariedade: é um esportista extremamente egoísta e competitivo"...
    Voltamos à questão do herói: o que é ser um herói? Eusébio era um herói para muita gente. No caso de Schumacher, posso dizer que é um embaixador da UNESCO (à qual doou 1,5 milhões de Euros), até há bem pouco tempo (não sei se ainda é) embaixador de segurança rodoviária da FIA, que é um amigo de animais abandonados - o caso do cão (de nome Pulga) adotado no Brasil em 1996 ou do animal que também quis adotar (embora a sua entourage não tenha deixado) nuns testes que estava a fazer então nos tempos da Benetton no Estoril são disso exemplo. Mas também se sabe que doou 10 milhões ao fundo destinado a ajudar as vitimas do tsunami no pacifico em 2004, entre outras doações a outras causas e instituições. Além disso, pagou a construção de uma escola em África e ajuda um hospital para crianças vitimadas pela guerra em Sarajevo.
    Fico sem saber, afinal, o que é um herói. Talvez em lugar de andar por aí a levar a família e passar férias (que vergonha, imagine-se) e a procurar adrenalina, Schumacher devesse ter ficado em casa o resto da vida a ver televisão ou corridas antigas. :)
    Cumprimentos e força com o blogue.
    PedJun

    ResponderEliminar