O Benfica, a família benfiquista, o futebol nacional e internacional estão de luto, com a morte, esta madrugada de Eusébio da Silva Ferreira. E, Portugal também. Aliás, a República Portuguesa, por via do jugo de Salazar ficou a dever-lhe uma ainda maior projeção mundial quando em prol da política do futebol “ópio do povo”, lhe cerceou uma carreira internacional ainda muito maior do que ele teve com a camisola da águia.
Nunca fui da “família benfiquista”, como jamais fui de qualquer família clubística. O meu clube é o futebol bem jogado, e de forma limpa, honesta e desportiva. Como aprendi a gostar da modalidade nos meus anos de convivência íntima com o soccer britânico, em que me estreei em jornalismo, na época como correspondente de “A Bola”, em Londres, no início da década de sessenta.
No entanto, pela grande convivência e intimidade que tive com toda a gloriosa equipa do Benfica desses anos de 1961 a 1963, sempre me senti mais próximo dos pupilos de grande Bela Guttmann. De Costa Pereira a António Simões eram todos especiais. Era um conjunto de jogadores e de homens que o treinador húngaro soube moldar numa equipa em que os “carregadores de piano” menos dotados tecnicamente estavam ao nível dos artistas porque o seu papel era igualmente importante para o conjunto.
O despontar de uma estrela internacional em 1961
Vivi o nascimento de Eusébio para o futebol internacional na temporada de 1961/62. Acompanhei de perto, em Inglaterra, o brotar da popularidade do jovem moçambicano desconhecido para o meio futebolístico britânico. Os meus amigos Brian Scovell e Clive Toye, nessa altura os jornalistas número um no Daily Sketch e no Daily Express, respetivamente, ajudaram muito a criar condições para que o nome de Eusébio fosse cada vez mais exposto nos jornais de Fleet Street.
Éramos – ele e eu – apenas uns miúdos, separados apenas por 10 meses de idade. Como me lembro das cenas que o Brian e eu inventámos para alimentar o tão peculiar estilo editorial de Fleet Street com material – inclusive fotos – que despertasse interesse dos adeptos futebolísticos britânicos nessa época muito mais virados para os seus astros. Estou a referir-me a uma época em que o futebol inglês não tinha jogadores e treinadores estrangeiros, em que a sua realidade não ia além do seu “umbigo” de criadores do jogo, em que era estranhíssimo alguma equipa “ousar” jogar fora do WM ou ver-se, por exemplo, um avançado passar a bola para as suas linhas mais recuadas para manter posse de bola. Eram outros tempos, que tanto se modificaram a partir da década seguinte.
A admiração de Matt Busby
E, foi nesse meio tão exclusivamente virado para as suas entranhas de fundadores em que Eusébio – mais do que em qualquer outro país do mundo – floresceu como uma estrela de brilho invulgar, sob ressaindo rapidamente entre os demais jogadores do Benfica.
Lembro-me – como se fosse hoje – de ouvir de Matt Busby, treinador do Manchester United, sentado ao meu lado no voo de BEA, de Amsterdão a Londres no dia seguinte à conquista do SLB da segunda Taça dos Campeões Europeus a falar-me de Eusébio com tal admiração que os seus olhos brilhavam. Isto, para um dos grandes mestres do futebol inglês e mundial, deixou-me tão orgulhoso quanto surpreso pois nesse dia, Eusébio tinha apenas 20 anos. Era um garoto que se dirigia com todo o respeito aos seus colegas mais velhos, como ao “Sr. Coluna”.
No ano seguinte, no Estádio da Luz vivenciei a admiração de Pélé pelo seu adversário do Benfica e a disponibilidade que mostrou quando lhe pedi para fazermos uma série de fotos para a imprensa inglesa para a qual tinha vindo cobrir o jogo para a Taça Intercontinental que o Santos ganhou por 5-3, se a memória não me falha.
Infelizmente só daqui a umas poucas semanas – quando finalmente puser ordem no meu arquivo fotográfico e o digitalizar todo – poderei partilhar convosco essas tantas fotos de Eusébio dessa época. Mas, aqui fica, desse já a promessa que o farei, sobretudo como homenagem minha a essa enorme figura de atleta que o Portugal salazarista não deixou brilhar ainda mais alto no estrangeiro e com, isso desfrutar mais do que o seu talento poderia render-lhe economicamente. Esperem por fotos minhas, do jovem Eusébio, inusitadas e inéditas, nas próximas semanas. Muitas delas publicadas na imprensa inglesa.
Com a minha ida para o Brasil em 1976, e o meu regresso apenas em 1988, pouco ou nada mais convivemos. A não ser uns breves encontros para discutir a possibilidade da minha editora de então publicar a sua biografia, o que não se efetivou por falte de vontade dele. O que lamento. Sobretudo pela oportunidade que teríamos tido – os dois – de reviver intensamente os momentos comuns do início dos anos sessenta.
Aqui fica a minha saudade e a minha profunda admiração por ele, e pelo seu estatuto que o S.L. e Benfica, em primeiro lugar, e a FPF, em segundo, souberam preservar e enaltecer.
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