Ee blog terá, pelo menos duas vezes por semana, as minhas opiniões e comentários sobre desporto – sobretudo automobilismo – e sobre a vida nacional (portuguesa e brasileira) e internacional, com a experiência de 52 anos de jornalismo, 36 anos de promotor e 10 de piloto. Além de textos de convidados, e comentários de leitores.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A EVOLUÇÃO DOS RALIS II  -  HEITOR MORAIS: O REVOLUCIONÁRIO
A XIV Volta a Portugal, em novembro de 1963, foi a primeira grande prova de automobilismo de que fiz cobertura jornalística – então para “O Mundo Desportivo”. Escrevia eu, anos mais tarde, no meu livro “Rallye”, o que continua a ser verdade:
“Ainda hoje me recordo como esta prova de 3367 km percorridos em quatro dias e três noites me impressionou. Mas, muito mais impressionado fico agora ao realizar este evento maravilhosamente organizado pela equipa do “100 à Hora” comandada pelo brilhante Heitor de Morais esteve na base da profunda revolução de modernização dos rallies portugueses.
“Embora tivesse varias provas complementares disputadas em circuitos, rampas e slaloms, o rali foi decidido nas dezenas de controlos horários colocados ao longo do sinuoso percurso. Teoricamente, a média estabelecida era de 50 km/h, o máximo então permitido pela DGTT. Mas, com o elevado número de controlos, e as suas paragens, a média aumentava, e no temporal tornava-se muito mais difícil não ser penalizado, sobretudo quando os controlos eram em rápidas sequências.

Heitor de Morais e eu, em 2003, na sede do "100 à Hora"
Manuel Gião/Mário de Jesus foram os vencedores em Austin Cooper S, entre apenas sete sobreviventes, apesar de Horário Macedo ter ganho a maioria das complementares com o seu Ferrari 250GT.”
Isto diz tudo sobre o novo conceito de ralis e concretizou a revolução que Heitor tinha engendrado.

Taça de Ouro 1963
Tudo começou com a experiência bem-sucedida na “Taça de Ouro do 100 à Hora”, meses antes. Cada série de Controlos Horários (CH) seguidos, a cada 3 km, num trecho de estrada muito sinuoso aumentava consideravelmente a média horária nesse trecho, uma vez que o tempo de paragem para entregar, o controlador escrever o tempo e devolver a Carta de Controlo ia gastando segundos preciosos. Tanto mais que o Heitor até instruía os controladores – bem me lembro – de “verificarem bem o relógio e não terem muita pressa em devolverem” a Carta de Controlo. Tudo para que o concorrente estivesse parado o maior tempo possível e assim fosse queimando a margem de 30 segundos entre cada CH, que ao terceiro CH já tinha sido gasta, tornando muito difícil cumprir a teórica média de 50 a partir do quarto CH e impossível no quinto.
Foi assim, que Heitor começou a tornar as provas de estrada competitivas.

Taça de Ouro do "100 à Hora", 1963 - Américo Nunes (esq) e Manuel Gião (dir)
 Os roubos nas florestais
Este foi, no entanto, o primeiro passo. Que ainda não satisfazia Heitor até porque, para tornar um longo rali – como a Volta - competitivo precisava de muitos controlos, já que, nessa época, a Volta a Portugal era uma prova “em linha”, sem as repetições em círculos das mesmas estradas, como os ralis modernos.
Nas suas funções profissionais, Heitor viajava muito por esse “Portugal profundo”. Era grande conhecedor da malha rodoviária, e até mesmo das Estradas Florestais que usava para encurtar caminho. E foi então que deu o “pulo do gato”: nestas florestais não havia marcos quilométricos – essa grande herança dos romanos –  e nem os mapas (mesmo os do ACP) tinham as distâncias exatas das travessias de qualquer florestal. Por isso, o Heitor podia colocar da Carta de Controlo que a distância, por exemplo, na Serra da Cabreira, de Venda Nova a Abadim, o mapa marcava 60 km quando na realidade eram 72 km e atribuir o tempo correspondente à média de 50 km/h. A média, claro que passava a ser muito superior, fazendo com que ninguém a pudesse cumprir. Eram os “roubos de km à la Heitor”.
Ou seja, esse CH passava a ser, na realidade uma Prova Especial de Classificação sem necessidade de todos os problemas e encargos de fechar essa estrada, até porque na época o tráfego não era o mesmo de anos mais tarde.
Esta passou a ser a sua segunda grande “sacada”, que veio mudar totalmente os ralis.
Usando este artifício legal, nasceu o conceito da XV Volta a Portugal, em 1964, o rali mais competitivo até então, claro.
“Passei a fazer os ralis que eram, o meu sonho”, dizia Heitor. Sonho dele e de todos os pilotos. Ou pesadelo, claro… se bem me lembro dessas Voltas como de uma em que fui o último a abandonar numa florestal do norte e o Francisco Romãozinho o único a chegar ao fim, em Lisboa.

Média passa a 60 km/h, de noite
A segunda grande jogada de mestre de Heitor foi em 1967. Integrando já a Comissão Desportiva Nacional do ACP, convenceu os seus pares a pedirem autorização à DGV para que a média autorizada em provas de estrada passasse de 50 para 60 km/h das 21 às 06h. Este aumento de 20% na média horária, somados aos “roubos” nas florestais deu ainda mais competitividade aos nossos ralis.
No ano seguinte, o automobilismo português perdeu – temporariamente – um grande dirigente – o segundo mais importante na minha opinião, desde 1950 – para ganhar um Campeão Nacional de Ralis num Morris Cooper S.
Mais tarde, Heitor voltaria a ser a alma do “100 à Hora”.
E, também mais tarde, usando este conceito de prova de estrada, César Torres elevou o patamar muito mais alto, já a nível internacional, com o seu Rallye TAP.

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