A XIV Volta a Portugal, em novembro de 1963, foi a primeira grande prova de automobilismo de que fiz cobertura jornalística – então para “O Mundo Desportivo”. Escrevia eu, anos mais tarde, no meu livro “Rallye”, o que continua a ser verdade:
“Ainda hoje me recordo como esta prova de 3367 km percorridos em quatro dias e três noites me impressionou. Mas, muito mais impressionado fico agora ao realizar este evento maravilhosamente organizado pela equipa do “100 à Hora” comandada pelo brilhante Heitor de Morais esteve na base da profunda revolução de modernização dos rallies portugueses.
“Embora tivesse varias provas complementares disputadas em circuitos, rampas e slaloms, o rali foi decidido nas dezenas de controlos horários colocados ao longo do sinuoso percurso. Teoricamente, a média estabelecida era de 50 km/h, o máximo então permitido pela DGTT. Mas, com o elevado número de controlos, e as suas paragens, a média aumentava, e no temporal tornava-se muito mais difícil não ser penalizado, sobretudo quando os controlos eram em rápidas sequências.
Heitor de Morais e eu, em 2003, na sede do "100 à Hora" |
Isto diz tudo sobre o novo conceito de ralis e concretizou a revolução que Heitor tinha engendrado.
Taça de Ouro 1963
Tudo começou
com a experiência bem-sucedida na “Taça de Ouro do 100 à Hora”, meses antes. Cada
série de Controlos Horários (CH) seguidos, a cada 3 km, num trecho de estrada
muito sinuoso aumentava consideravelmente a média horária nesse trecho, uma vez
que o tempo de paragem para entregar, o controlador escrever o tempo e devolver
a Carta de Controlo ia gastando segundos preciosos. Tanto mais que o Heitor até
instruía os controladores – bem me lembro – de “verificarem bem o relógio e não
terem muita pressa em devolverem” a Carta de Controlo. Tudo para que o concorrente
estivesse parado o maior tempo possível e assim fosse queimando a margem de 30
segundos entre cada CH, que ao terceiro CH já tinha sido gasta, tornando muito
difícil cumprir a teórica média de 50 a partir do quarto CH e impossível no
quinto.Foi assim, que Heitor começou a tornar as provas de estrada competitivas.
Taça de Ouro do "100 à Hora", 1963 - Américo Nunes (esq) e Manuel Gião (dir) |
Nas suas funções profissionais, Heitor viajava muito por esse “Portugal profundo”. Era grande conhecedor da malha rodoviária, e até mesmo das Estradas Florestais que usava para encurtar caminho. E foi então que deu o “pulo do gato”: nestas florestais não havia marcos quilométricos – essa grande herança dos romanos – e nem os mapas (mesmo os do ACP) tinham as distâncias exatas das travessias de qualquer florestal. Por isso, o Heitor podia colocar da Carta de Controlo que a distância, por exemplo, na Serra da Cabreira, de Venda Nova a Abadim, o mapa marcava 60 km quando na realidade eram 72 km e atribuir o tempo correspondente à média de 50 km/h. A média, claro que passava a ser muito superior, fazendo com que ninguém a pudesse cumprir. Eram os “roubos de km à la Heitor”.
Ou seja, esse CH passava a ser, na realidade uma Prova Especial de Classificação sem necessidade de todos os problemas e encargos de fechar essa estrada, até porque na época o tráfego não era o mesmo de anos mais tarde.
Esta passou a ser a sua segunda grande “sacada”, que veio mudar totalmente os ralis.
Usando este artifício legal, nasceu o conceito da XV Volta a Portugal, em 1964, o rali mais competitivo até então, claro.
“Passei a
fazer os ralis que eram, o meu sonho”, dizia Heitor. Sonho dele e de todos os
pilotos. Ou pesadelo, claro… se bem me lembro dessas Voltas como de uma em que
fui o último a abandonar numa florestal do norte e o Francisco Romãozinho o
único a chegar ao fim, em Lisboa.
Média passa a 60 km/h, de noite
A segunda
grande jogada de mestre de Heitor foi em 1967. Integrando já a Comissão
Desportiva Nacional do ACP, convenceu os seus pares a pedirem autorização à DGV
para que a média autorizada em provas de estrada passasse de 50 para 60 km/h
das 21 às 06h. Este aumento de 20% na média horária, somados aos “roubos” nas
florestais deu ainda mais competitividade aos nossos ralis.No ano seguinte, o automobilismo português perdeu – temporariamente – um grande dirigente – o segundo mais importante na minha opinião, desde 1950 – para ganhar um Campeão Nacional de Ralis num Morris Cooper S.
Mais tarde, Heitor voltaria a ser a alma do “100 à Hora”.
E, também mais tarde, usando este conceito de prova de estrada, César Torres elevou o patamar muito mais alto, já a nível internacional, com o seu Rallye TAP.
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